LMP e Transexuais

Aplicação da Lei Maria da Penha a transexual

Alice Bianchini*
Recentemente, o TJMS confirmou decisão que aplicava a LMP para homem vítima de agressão por parte de sua mulher (ver artigo: As medidas protetivas da Lei Maria da Penha podem ser aplicadas a homem vítima de violência)
Agora, outra decisão também amplia a aplicação da Lei Maria da Penha, dessa vez para transexual masculino (proc. n. 201103873908, Tribunal de Justiça de Goiás –1ª Vara Criminal da Comarca de Anápolis, juíza Ana Cláudia Veloso Magalhães, vítima de violência doméstica.
Principais motivações trazidas pela magistrada para aplicar a LMP:

- embora não tenha havido alteração no seu registro civil, a vítima fora submetida a uma cirurgia de redesignação sexual há 17 anos, o que a torna pessoa do sexo feminino, no que tange ao seu “sexo social, ou seja, a identidade que a pessoa assume perante a sociedade”;
- a não aplicação das mesmas regras elaboradas para proteção da mulher, “transmuta-se no cometimento de um terrível preconceito e discriminação inadmissível”;
- os artigos art. 2º e 5º, e seu par. único, da LMP respaldam a possibilidade de aplicação da Lei:
Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
(…)
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
- o princípio da liberdade, que se desdobra em liberdade sexual, “garante ao indivíduo, sujeito de direitos e obrigações, a livre escolha por sua orientação”;
- “o gênero é construído no decorrer da vida e se refere ao estado psicológico”, de forma que “o transexual não se confunde com o homossexual, pois este não nega seu sexo, embora mantenha relações sexuais com pessoas do seu próprio sexo”;
- “partindo da premissa de que o não é proibido é permitido, do reconhecimento da união homoafetiva pelos Tribunais e do conhecimento de que, no ordenamento jurídico, o que prevalece são os princípios constitucionais, entende-se que seria inconstitucional não proteger as lésbicas, os travestis e os transexuais contra agressões praticadas pelos seus companheiros ou companheiras”.
No que tange à inexistência de norma legal específica, bem como da divergência instalada na doutrina e na jurisprudência sobre o tema, entende a magistrada que:
- “tais omissões e visões dicotómicas não podem servir de óbice ao reconhecimento de direitos erigidos a cláusulas pétreas pelo ordenamento jurídico constitucional. Tais óbices não podem cegar o aplicador da lei ao ponto de desproteger ofendidas como a identificada nestes autos de processo porque a mesma não se dirigiu ao Registro Civil de Pessoas Naturais”;
- “o apego a formalidades, cada vez mais em desuso no confronto com as garantias que se sobrelevam àquelas, não podem (…) impedir de assegurar à ora vítima TODAS as proteções e TODAS as garantias esculpidas, com as tintas fortes da dignidade, no quadro maravilhoso da Lei Maria da Penha.”
Agiu bem a magistrada ao permitir a aplicação da LMP no caso por ela analisado, pois houve violência, ela foi doméstica e se baseou em uma questão de gênero.
*Doutora em Direito Penal pela PUC/SP. Presidente do Instituto Panamericano de Política Criminal-IPAN. Coordenadora do Curso de Especialização TeleVirtual em Ciências Penais da Universidade Anhanguera-Uniderp, em convênio com a Rede LFG.

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