Causas previstas no Código Penal que impedem a consumação do crime

Causas previstas no Código Penal que impedem a consumação do crime



Texto de :Patrícia A. de Souza


Texto útil para revisar
FONTE: LFG http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090401183027120&mode=print

Resolução da questão n.°24 - Direito Penal
24) Iter criminis representa as diversas fases que o agente deve percorrer, desde a cogitação até a consumação, para que se realize o delito doloso de maneira completa. Nesse percurso, podem ocorrer algumas situações, todas previstas no Código Penal, que impedem a consumação do crime. NÃO constitui uma dessas situações:
a) Arrependimento eficaz.
b) Arrependimento posterior.
c) Crime impossível.
d) Desistência voluntária.
e) Tentativa.
NOTAS DA REDAÇÃO
Para Zaffaroni iter criminis "é o conjunto de fases que se sucedem cronologicamente no desenvolvimento do delito doloso, ou seja, no delito que é dominado pelo seu autor (ou autores)".
São duas as macrofases do iter criminis: interna e externa.
1ª) Fase interna (cogitação): a cogitação, em Direito Penal, é impunível: cogitationis poenam nemo patitur (Ulpiano). O Direito Penal não chega a ingressar no pensamento do agente para puni-lo pelo que pensa. Mentalmente todo delito pode ser idealizado e o Direito Penal não se interessa por isso.
Por força do princípio da materialização ou exteriorização do fato, este só se torna penalmente relevante quando se manifesta exteriormente. Nullum crimen sine actio (não há crime sem conduta).
2ª) Fase externa: subdivide-se em
a) Atos preparatórios: antecedem os atos executórios e são chamados de conatus remotus. Em geral, são impuníveis. Não são puníveis ao atos preparatórios, por exemplo, do crime de quadrilha ou bando (CP, art. 288), vários verbos contidos no art. 33 da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006: verbos que significam preparação para o tráfico efetivo, como ter em depósito, trazer consigo etc).
b) Atos executórios: envolvem
b.1) tanto o começo da execução do verbo núcleo do tipo como
b.2) os atos imediatamente anteriores dirigidos (inequivocamente) ao verbo núcleo do tipo (começo da execução do crime).
c) Consumação: o crime se consuma quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal, isto é, quando nele se reúnem todos os requisitos legais (CP, art. 14, I).
d) Exaurimento: ocorre quando se realizam acontecimentos típicos posteriores à consumação.
* Arrependimento eficaz: acontece quando o agente impede (com uma conduta positiva de salvamento) que o resultado se produza, depois de já ter iniciado o delito. Temos duas condutas bem distintas:
- no primeiro momento o agente esgota o processo de execução (de acordo com seu plano);
- no segundo ele se arrepende e realiza nova conduta (positiva) de salvamento do bem jurídico que já está em concreto perigo.
Exemplo: o agente ministra veneno no café da vítima, que já foi ingerido, arrepende-se e dá-lhe o antídoto necessário, salvando sua vida.
São duas as regras que regem a responsabilidade penal no arrependimento eficaz:
1) o agente não responde pela tentativa do delito que pretendia (e que foi iniciado);
2) o agente só responde pelo que objetivamente causou (se previsto em lei).
Exemplo: o agente envenenou a vítima e depois se arrependeu, salvando-a com o antídoto. Não responde pela tentativa de homicídio que iniciou, só responde pelo que fez: lesões corporais.
* Desistência voluntária: ocorre quando o agente voluntariamente desiste de prosseguir na execução do crime já iniciado e essa interrupção acaba sendo decisiva para evitar o resultado inicialmente desejado.
Na desistência voluntária o agente pode prosseguir, pode avançar, pode consumar o delito (conforme seu plano de ação), mas (voluntariamente) desiste (não quer, interrompe o processo). Sua característica principal é a cessação do processo de execução, que, por si só, evita o resultado inicialmente desejado.
Exemplo: um Deputado, numa discussão de trânsito, disparou contra o motorista de um ônibus, acertando-o levemente; aproximou-se dele, podia ter efetuado mais disparos, podia ter matado, mas desistiu (STF, AP 277-DF).
As regras que regem a responsabilidade penal na desistência voluntária são:
- O agente não responde pela tentativa do delito que pretendia (e que foi iniciado).
- O agente só responde pelo que objetivamente causou (se previsto em lei).
Exemplo: o sujeito disparou contra a vítima, acertando-lhe de raspão o ombro. Desiste de prosseguir. Podia prosseguir, mas não quis. Não responde pela tentativa de homicídio que iniciou. Só responde pelo que objetivamente fez: lesões corporais.
Por força do princípio da subsidiariedade, afastada a punibilidade do fato principal, subsiste o fato secundário (se previsto em lei).
IMPORTANTE: Há muita controvérsia sobre a natureza jurídica da desistência voluntária e do arrependimento eficaz. Não há uniformidade de pensamento, alguns autores ora dizem que eles afastam a tipicidade, ora a culpabilidade, ora seria causa pessoal de exclusão de pena etc. Todavia, a doutrina clássica (majoritária) diz que esses institutos excluem a tipicidade, pois afasta norma de extensão do art. 14 do CP. A posição adotada pelo professor Luiz Flávio Gomes é de que ambos os institutos são causas de impunibilidade da tentativa iniciada (causas excludentes da punibilidade da tentativa iniciada). Afetam a pena (que desaparece), ou seja, o crime (fato típico e antijurídico) não chega a se transformar em fato punível.
Quando o artigo 15 do CP diz que o agente "só responde pelos atos já praticados" isso significa que não responde ou que deixa de ser punível a tentativa iniciada. O "só responde" tem o sentido do "só são puníveis" os atos já praticados (ficando então impunível a tentativa iniciada).
* Arrependimento posterior:
CP, art. 16 - "Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços".
Trata-se de causa de diminuição de pena (de um a dois terços), que entra (normalmente) na terceira fase da fixação da pena privativa de liberdade (o sistema trifásico da aplicação da pena de prisão - CP, art. 68, consiste na determinação da pena-base, agravantes e atenuantes e causas de aumento e diminuição da pena p o art. 16 do CP tem incidência, normalmente, nesta terceira fase).
Sintetizando, os requisitos do arrependimento posterior são:
- reparação do dano ou restituição integral da coisa;
- ato voluntário do agente;
- antes do recebimento da denúncia ou da queixa;
- crime cometido sem violência ou grave ameaça contra a pessoa.
No arrependimento posterior, a reparação deve ser total, do contrário, não se aplica o art. 16 do CP. Em caso de concurso de agentes, só haverá esse benefício se a reparação também for total, se um dos agentes reparar apenas uma parte, não se aplica o instituto.
O benefício do arrependimento posterior aplica-se a todos os crimes, exceto os crimes violentos (com violência dolosa). A única exceção é o delito de emissão de cheques sem fundos, pois neste caso, extingue-se a punibilidade.
STF, Súmula nº 554: "O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal".
Quanto à comunicabilidade do benefício em havendo concurso de agentes, a doutrina diverge, mas prevalece a posição de que não se comunica, pois trata-se de benefício personalíssimo. Portanto, só se aplica o art. 16 do CP ao agente que efetivamente reparou o dano.
* Crime impossível
CP, Art. 17 - "Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime".
Ocorre quando, após o fato, se descobre que jamais o delito se consumaria. Parte da doutrina chama o crime impossível de "tentativa inidônea, inadequada ou quase crime".
A tentativa inidônea ocorre quando o meio utilizado é absolutamente ineficaz ou quando não existe o bem jurídico, ou seja, o bem jurídico não ingressa no raio de ação da conduta criminosa. Ela tem correlação com as hipóteses de crime impossível.
A diferença entre os institutos é a seguinte: no crime impossível o bem sofre perigo concreto de lesão; já na tentativa inidônea, o bem não entra no raio da ação da conduta praticada.
O artigo 17 do CP, segundo o professor Luiz Flávio Gomes, deve ser lido da seguinte maneira: "não se pune a tentativa inidônea (...)". É por isso que o crime impossível também é chamado de "tentativa inidônea" ou "tentativa inadequada", ou ainda, "quase-crime".
Existem duas hipóteses de crime impossível:
1) Absoluta ineficácia do meio: ocorre quando a conduta realizada não expressa concreta periculosidade ao bem jurídico protegido.
Exemplos: o agente quer envenenar a vítima, se confunde e acaba colocando açúcar no café ao invés de veneno; o agente quer matar os passageiros de um avião e tenta derrubá-lo com uma pedra.
2) Impropriedade absoluta do objeto: o bem jurídico visado pelo agente não existe.
Exemplos: disparar contra cadáver, tentar praticar aborto quando não existe feto.
IMPORTANTE:
- Ineficácia relativa do objeto: mau funcionamento, situação momentânea.
Exemplo: agente tenta disparar, mas a arma trava. Posteriormente se constata o bom funcionamento dela, ou seja, o meio era eficaz, só não funcionou num dado momento.
Solução penal: o agente responde normalmente pelo delito, mas na sua forma tentada.
- Impropriedade relativa do objeto: o objeto é apto a receber a conduta do agente, mas algo acontece e impede que ela ocorra.
Exemplo: vítima que mantinha no bolso da camisa objetos, caneta, moedas, que desviam a trajetória do projétil.
Solução penal: há crime, o agente responde normalmente pelo delito, mas na sua forma tentada.
O crime impossível, em suas duas hipóteses, constitui fato atípico, pois não há afetação concreta do bem jurídico. São causas de exclusão da tipicidade penal.
* Tentativa:
CP, art. 14 - "Diz-se o crime:
(...)
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente".
Nos termos do art. 14, II, do CP, consiste na execução iniciada de um crime que não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
A tentativa constitui o que a doutrina chama de delito incompleto ou de congruência incompleta, isso significa que há intenção de consumar o crime de acordo com um determinado plano, mas o agente não consegue por circunstâncias alheias a sua vontade, portanto, a conduta é típica em razão (em regra) da norma de extensão da tipicidade contida no art. 14, II, do CP.
A tentativa, no Brasil, é exemplo de adequação típica de subordinação mediata (indireta), uma vez ser necessário invocar dois ou mais dispositivos para realizar juízo de subsunção.
Somente os crimes dolosos admitem tentativa. Todos os crimes dolosos admitem tentativa, até mesmo quando envolver dolo eventual. Os crime culposos não admitem "conatus", salvo única exceção: culpa imprópria (que se dá no erro de tipo justificante, também chamado de erro de tipo permissivo - vencível - CP, art. 20, § 1º, parte final - ou no excesso culposo derivado de erro vencível).
Exemplo: um sujeito, a noite, ouve barulho estranho em sua casa, pensa que é um perigoso ladrão e dispara abruptamente; verifica-se depois que era o guarda noturno que se abrigava da chuva e que tinha em mãos um guarda-chuva e não uma arma, como se imaginou. É possível que neste caso haja tentativa de homicídio culposo. Na verdade, a conduta realizada é dolosa (o disparo foi feito intencionalmente). O que chamam de culpa imprópria é, na essência, um crime doloso punido com pena de crime culposo. Se a morte não se consuma, o agente é punido com a pena do crime culposo diminuída de um terço a dois terços (CP, art. 14, parágrafo único).


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